Em busca da sociedade saudável condenamos os prazeres pecaminosos da comida, do cigarro, da bebida, do sendentarismo... A sociedade se organiza contra esses males, cria instituições que lutam para a extinção de tais práticas. Vai lançando dietas mirabolantes a cada clique do relógio. O tempo se consome e a vida se prolonga, mais saudável, mais apresentável, pronta para entrar no menor número possível de manequim. A imagem no espelho retrata a simetria e perfeição que a falta de originalidade dos indivíduos alimenta. A insignificância cultural se camufla em atletas e ratos de academia. Enquanto lotamos piscinas, pistas de corrida, restaurantes naturais e aulas de spinning, as bibliotecas se esvaziam, os livros apodrecem e as mentes se inutilizam. A moda se transveste de práticas não percebidas até pelos 'não-conformistas', que se negam a usar roupas de butique, mas fazem questão de estar no número certo de jeans para formatar a imagem perfeita de um falso rebelde. O consumo da moda e do padrão certo vai se acelerando e a conformidade com a dinâmica adoece as mentes. A receita para a sociedade perfeita? Esqueça Aristóteles, Platão, esfera pública... Tudo será resolvido com dieta e exercícios, todos devidamente balanceados e medidos. Em passos largos caminhamos para um futuro cheio de saúde e paranóia com tudo que desce pela nossa garganta.
Enquanto ignoramos nossas mentes nós gostamos de criar novas doenças e psicoses que custam uma fortuna para serem tratadas. Os consultórios de terapia formam filas e mais filas enquanto os jornais noticiam a mais nova paranóia que assola a sempre doente 'sociedade moderna'. O sedentarismo é o maior dos absurdos modernos, mas a preguiça de procurar e absorver cultura é esquecida. Como sempre, nós preferimos passar nossos problemas pra frente, se estamos paranóicos é melhor pagar alguém para resolver para nós. Ler um livro, ouvir uma música diferente? Que isso?! Faz mal! O legal é ter seu próprio terapeuta, tá na moda, seu otário! O estranho é que anos pra frente em seu tratamento a conclusão inevitável é que você mesmo que se deixou adoecer. Você que se deixou levar pelos objetivos intangíveis de perfeição da sociedade, e agora está deitado num confortável divã pagando 200 reais a hora para ter a ilusão de que alguém vai resolver seus problemas para você. É paradoxal como nós mesmos legitimamos os mecanismos que nos deixam adoecer. Somos incapazes de rechaçar as tendências padronizadoras que tanto tentam vender e que tanto nos fazem mal.
Décadas atrás nós criamos a moda do fumo, com um cigarro em mãos e anéis de fumaça sendo lançados da boca qualquer um podia ser sensual, qualquer um podia se encaixar. Criamos a cultura do cigarro, vendemos filmes, imagens, propagandas e patrocinamos estrelas de cinema com suas chaminés em mãos. Malboro man, o ícone de uma geração. Criamos o cigarro, formatamos o desejo por ele, e o vício nos manteve fumando... Tudo pela moda, tudo para ser 'cool'. Qual o preço de tudo isso?
Hoje, já sem um pulmão, penduramos os fumantes na cruz e processamos a indústria do tabaco para atestar nossa estupidez e hipocrisia. Processos e mais processos tentam tirar milhões de uma indústria que nada fez além de sua obrigação (tirar proveito da estupidez generalizada). É algo impressionante como não conseguimos ficar contentes com a nossa estupidez, a culpa tem que sempre ser dos outros!
Na mão contrária, hoje tentamos construir a ilusão do que é saudável, afinal ser saudável é a nova moda. Nos supermercados somos sufocados por pratos rápidos, prontos para comer, e sem gordura trans! Comam, acreditem na ilusão e corram atrás da moda. Leiam o último artigo lançado pela Veja, ele diz que pensar demais faz mal para o corpo, então tenha cuidado! Vamos preservar nossos cérebros intactos e perfeitos, totalmente sem uso. A era da imagem perfeita nos trás inimigos estranhos, as calorias são as novas vilãs da sociedade! A babaquice fica estampada no 'Ligh' das embalagens. A moda dita as novas palavras mágicas, que vendem tão bem quanto o bom e velho tabaco... aprenda a dizer Ligh, Diet, Sem Gordura Trans, pois se você extrapolar os quilos na balança você não será ninguém. Você não precisa entender como o mundo funciona e nem porquê é bom comer o que é light, apenas siga o que te dizem. Enquanto o exercício da intelectualidade vira artigo de museu, a moda entra na sua 'geração saúde'. Bons tempos que estávamos na 'geração Coca-Cola', pois pelo menos a Coca não era Diet ou Zero.
Quem sabe a próxima febre não seja meter uma bala na cabeça, talvez assim iremos parar para questionar nossas prioridades e o que estamos fazendo de nossas vidas em vez de seguir o que dizem ser a nova sensação do momento.
Danda.