sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A recorrente e infinita discussão sobre Música




Bom, mais uma vez eu gostaria de abordar um tema amplamente discutido em mesas de botecos nessa vida. Um tema muito comum de surgir, mas que SEMPRE gera discussões calorosas e exaltadas. A temática tem relação fundamental com a essência desse blog, o tema em questão nada mais é do que... Música.

Simples, porém complexo.

Explico-me: como se nota pelo blog que mantemos, somos admiradores da boa música. Aqui nós exaltamos a música não notada pelas massas, a música nova, a amplitude de gêneros e bandas que o mundo atual nos proporciona, a diversidade cultural da origem da música... Porém, é uma visão um tanto quanto atípica, se tratando de maiorias. As pessoas costumam viver pela inércia, costumam apenas reproduzir o que assistem na televisão, o que ouvem no rádio ou o que o último sucesso da balada noturna. As pessoas tendem a se tornar apenas meios de reprodução, negando sua essência humana de ser um elemento de criação. Isso não me admira, pois vivemos na era do poder dos conglomerados midiáticos, das grandes redes de transmissão e reprodução de cultura cirurgicamente criada em escritórios das gigantes corporações do meio do entretenimento. O que se entende por cultura agora é simplesmente um bem de mercado. Pode-se dizer que pegaram a ‘cultura’ e abriram seu capital na bolsa, agora quem tem mais dinheiro tem controle sobre a ‘cultura’. E todos bem sabem que isso não é nenhuma teoria da conspiração ou devaneio da minha cabeça, pois o mundo bem entende como que funciona o mercado e qual é o poder do dinheiro. É natural que uma grande emissora de televisão vá cobrar de um artista um certo ‘jabá’ para colocá-lo no horário de pico de audiência no sábado à tarde. Da mesma forma acontece com as rádios e outros meios de mídia. Mas quem está exposto a esse tipo de ‘cultura’ não pensa e se questiona o porquê de tudo isso...

Mas, pela sanidade das mentes pensantes, ainda existem aqueles que se esforçam para entender sua realidade e são capazes de desconstruir aquilo que nos é martelado na cabeça desde que viemos a esse mundo, e são capazes de criar coisas novas. Pessoas que ainda resguardam uma gota de racionalidade e conseguem repelir o que o mercado tenta empurrar pela nossa goela. São seres que se aproveitam de sua capacidade intelectual para se tornar fonte e recepctor de novas e belas criações. Apreciar a boa música não é simplesmente uma questão de gosto, é uma questão de compreensão. Claro que música tem muito a ver com o gosto de cada um, mas a boa música se alastra por todas as categorias e gêneros musicais, permitindo que cada um ache seu gosto dentro desse amplo espectro de cultura legítima. Boa música tem a ver com seriedade, competência, dignidade, paixão, etc, etc. A boa música é feita por quem ama fazer música, por quem tenta entender o mínimo sobre o mundo musical, para tentar criar algo novo e bem lapidado, que seja capaz de transmitir sentimentos e experiências inexplicáveis. A boa música é feita com razões mais nobres do que ‘vender’ ou ‘fazer todo mundo dançar’, ela deve ter razoes que dignificam a essência do ser humano.

Muitos me perguntam: o que vc tem contra a música que se houve em boates, shows, rádios, tv’s, etc? A princípio, nada. Pois, pra mim, seria óbvio que as pessoas entenderiam aquilo como apenas um tipo de manifestação da cultura musical, o tipo comercial. Pra mim, é claro que todos os seres com um cérebro dentro da cabeça entenderiam que o conhecimento e a cultura transcendem o que passa na tv... Mas não é isso que acontece. As massas restringem sua realidade àquilo que é fácil de entender e que é fácil de se ter acesso. Qual o problema disso? O mundo esta ficando burro, esse é o problema!

A música, em seu princípio, não é uma fórmula geométrica de 3 minutos que intercala verso, refrão, verso... ou um bate-estaca repetitivo e alucinante que faz vc varar dias acordado sob o efeito de drogas em um espiral psicótico de alucinação. Isso não é música! Música vai além de tudo isso! Como diria Nietzsche, “A música nos oferece momentos de verdadeiros sentimentos”. O que Nietzsche tenta dizer é que a música está intrinsecamente relacionada com paixões, com sentimentos, com a expressão máxima que o ser humano tem de sua subjetividade. Não é simplesmente ouvir uma baladinha pra ficar animado ou um hip-hop pra se sentir o cara do mal rodeado por putas. Música é a realização de algo intangível de tão grandioso e complexo. Construir uma obra musical é uma tarefa que exige reflexão, cuidado, estudo e paixão. Quem consegue entender esse conceito de música consegue expandir sua compreensão do mundo, o que abre novas possibilidades de construir uma realidade diferente, uma realidade melhor. Ficar preso no que toca na Jovem Pan, no Caldeirão do Huck, na Universo Paralelo... etc... vai atrofiando o cérebro daquelas que negam sua essência racional e insistem na hipotrofia intelectual. Não é a toa que na comunidade dos blogs de rock progressivo, jazz e outros gêneros da boa música, sempre existem discussões de alto nível intelectual. Nessa comunidade virtual conhecemos, mesmo que virtualmente, pessoas polidas, letradas, bem educadas e muito inteligentes. Pq? Pq são pessoas preocupadas em expandir seu conhecimento e sua cultura, não ficam presas no show de horrores que a mídia insiste em promover. Enquanto isso basta uma rápida olhada pelas comunidades do Orkut relacionadas a qualquer tipo porcaria de música para percebermos a falta de qualquer tipo de lapidação mental das pessoas, nem mesmo escrever corretamente as pessoas conseguem mais... Não que os textos aqui postados sejam um primor da gramática e do exercício intelectual, mas aqui, pelo menos, nós tentamos nos melhorar a cada dia. Nós tentamos levar a todos uma pitada de cultura, apenas uma fração do que o mundo pode nos oferecer se estivermos com a cabeça aberta.

Em contraste a isso somos obrigados a encarar uma frase comum que sempre escutarmos por aí: “Poxa, vcs são tão cabeça fechada...”
Essa frase fecha minha argumentação com chave de ouro, pois nós, que buscamos todos os dias, incansavelmente, novas fontes de conhecimento, cultura e gêneros musicais, somos os ‘cabeça fechada’! Simplesmente genial! Por outro lado, quem simplesmente reproduz o que ouviu na tv, rádio e na boate é cabeça aberta...

Isso tudo foi colocado aqui para efeitos de reflexão. Para ver se as pessoas conseguem compreender essa argumentação e essa nova visão da realidade. Para os blogueros de plantão e ‘soldados’ da boa causa digo que devemos sempre lutar contra o fluxo da massa e tentar construir um mundo mais lúcido e coerente, de pessoas dispostas a realmente ‘abrirem’ suas cabeças para novas experiências culturais, mesmo sendo uma tarefa bem difícil, haja visto as figuras que temos que encarar por essa vida.


Danda.

13 comentários:

f.o.c disse...

Danda, meu bom e velho amigo. Parabéns pelo texto. Sua exposição está impecável a não ser por um ponto. Eu como grande admirador da boa música concordo com você em 99% do seu texto, porém, o que chamo atenção é para a origem do problema. O que é música? Harmonia, ritmo e melodia. Querendo ou não a música das massas ainda é música, mesmo que de baixa qualidade. Acho que deve-se olhar para uma música analisando seu propósito e ver se ele foi alcançado. Por exemplo, se o cara toma um LSD e vai pra balada ele quer que a música o leve a lugares desconhecidos e loucos, as músicas de bate estaca conseguem isso. Se eu quero abrir minha garrafa de whisky acender meu charuto e escutar composições únicas e criativas sacarei meus cd's de jazz. Da mesma forma que o bate estaca não funcionará para mim, meu jazz não funcionará para o doidão da balada. Então a análise de uma música deve passa pelo seu propósito. Por isso não devemos procurar "chifre em cabeça de cavalo" pois NÃO acharemos. FeliPe

Esquadrão SS disse...

Fala, meu gaitista faovrito! Obrigado pelo comentário, vem em boa hora.

Definir música pelo propósito pode ser uma das formas de definição dela, o que acaba gerando essas vertentes borradas de manifestação cultural. Pois música então poderia ser simplesmente um produto, já que ela foi feita com o intuito de vender. Como explanado no texto, até certo ponto isso não tem problema, desde que as pessoas consigam entender isso. Mas não é o que acontece, por isso defino música no texto como uma forma de expressar sentimentos e experiências intangíveis, algo grandioso que consegue dignificar um ser humano como um ser criativo, uma força de molde de uma realidade melhor.

Mas como bem sabemos, toda a confusão e discussão acerca dos assuntos começa na diferente interpretação dos conceitos utilizados. Vc entende música pelo propósito, eu entendo pela subjetividade intrínseca no processo criativo, por isso houve essa pequena discordância. O que é extremamente saudável e o próprio propósito de abrir esses textos para debates.

Grande abraço, meu velho!

Danda.

f.o.c disse...

Caríssimo Danda, sabes que um dos meus hobbies favoritos é exatamente uma boa discussão. Entendo seu ponto de vista, mesmo que por vezes acredite que você tenha se confundido um pouco no texto, gerando algumas poucas incoerências. Mas infelizmente chegamos num ponto onde não acho que um teclado e um monitor sejam recursos suficientes para discutirmos e chegarmos a conclusões. O tema abordado no texto é incrivelmente vasto, dava pra se escrever livros e mais livros sobre o assunto, defender diversas correntes com uma coerencia admirável, mas isto rompe as barreiras (pelo menos as minha) da usuabilidade da internet. A argumentação escrita e objetiva tornou-se uma barreira intransponível para mim. Adoraria continuar a conversa tomando aquele Heik que não cansamos de degustar. Talvez eu não esteja preparado para usar quadradinhos com caixas de texto como meio de argumentação. Para mim a escrita com fins de discussão é pobre, fria e insensível.

Lamento...
Felipe

Anônimo disse...

Acrescentarei algo que se faz mister. Concordo que música é também em parte um pedido implícito do momento de cada, como bem posto acima sobre um querer buscar bate estaca, jazz, música clássica. Só que, devemos deixar algo bem claro no que tange aos padrões. Isto é, existem músicas mais bem elaboradas, estudadas, com fundamentos, ampla variações rítmica e melódica etc. Não me venham falar que axé é uma música melhor elaborada do que rock progressivo. E, em geral, não me venha falar em elaboração do rock progressivo comparado à música clássica. Devemos saber em que nível intelectual está cada vertente, ou seja, cada estilo musical - pelo menos nas definições corriqueiras que encontramos. Devemos saber que uma música é de qualidade mesmo não apreciando. Que tal estrutura é de fato mais complexa. Obviamente não se trata somente disso, têm os sentimentos que são expressados por meio de tais estruturas. Aliá-las é, pra mim, de fundamental importância.
O grande problema que eu acho, como explicado pelo texto, é que as pessoas negam essa amplitude de sons e, por que não?, de conhecimento. Para elas não existe momento para o jazz (não sei como!), nem para o progressivo (somente o house progressivo, hehehe), só para músicas de massa. Pessoas que falam que o rock morreu, não há igual aos anos setenta (e por lógica não será igual nunca), é porque estão encalhados no saudosismo, na ignorância, na falta de acesso ou de curiosidade. Mas que há a dita música boa como nunca teve, isso há. E não teremos tempo nesta vida pra escutar todas elas.
O que mais irrita nessas discussões é alguém negar o alto valor intelectual e de conhecimento de um maestro comparado a um dj de boite. É que nem comparar phd em física nuclear e criança de 6 anos.

Rodolfo

Anônimo disse...

Olá Danda e pessoal..
Bom, eu gostei do texto. Tb concordo com muita coisa que vc expressa aí... Há uma linha de raciocínio que, a princípio, pode parecer preconceituosa, mas que, de fato, me parece sensata...que é a de que apreciar um determinado tipo de musica ( ou tipos ) demonstra a sua determinação em obter mais conhecimento e entendimento acerca do que se há... Mas eu tb reconheço que cada um tem liberdade para conhecer ou se manter interessado ao entendimento de algo que bem quer...por mais que seja um entendimento do superficial, do fácil, do que já está exposto! Transformar essa forma de apreciação que já se tornou inerente à massa seria algo ideal, pq lhe permitiria processar outros tipos de informação e conhecimento. Mas ao mesmo tempo, como se disse, há quem busque exatamente esses tipos...e há quem realmente sinta prazer nisso tudo! Eu não tiro a razão de quem aprecie outros tipos de música que sejam menos complexas das que costumamos todos aqui a escutar...eu já percebi e já desisti! há quem realmente não queira processar complexidade musical! Eu realmente não admiro isso...heheheehehe...pq como apreciadora de musica instrumental, e musicas mais complexas, adoraria que as pessoas se sentissem mais motivadas a conhecer...pq é algo que realmente me da prazer! Tipo, muitas vezes, estava no buzão com meu mp3 e sentia uma necessidade de compartilhar aquela parte escrota de uma musica com alguem, pq era algo que me enlouquecia...mas isso pode não ser compartilhado...a interpretação é diversa...
Bom, mas eu reconheço o lado que o Danda quer chegar, que é o fato de que isso demonstra um extremo desinteresse das pessoas em conhecer o novo, ou o dificil. Isso pode ser visto, em tds as áreas...não só na questão musical, claro! Mas é isso aí...Bjo, Carol!

Roderick disse...

Esta é uma discussão quase infinita. Acredito que a questão não se limita a complexidade, já que a qualidade é também relativa. Será que é possivel ter um funk carioca com qualidade? Acredito que sim, mesmo que eu não venha escutar, pois o funk carioca não faz parte do meu paladar músical. O problema é a fórmula adotada pela indústria. Esta fórmula limita a produção dentro dos limites impostos pelo grande público, e isso retroalimenta a fórmula em questão. Não é a toa que a cada ano a produção musical no Brasil se torna mais limitada. Uma saída é a produção independente ou de pequenas gravadors, porém esta não consegue chegar aos veiculos de midia.

Os catálogos das gravadoras brasileiras são pífios quando comparado com EUA ou Europa. Esta é uma realidade que sempre existiu e vem se deteriorando a cada ano.

Somente uma pequena contribuição em uma discussão tão ampla.


Abraços a todos

http://apaixoderoderick.blogspot.com/

Daniel Kirjner disse...

Bom....devo confessar que simpatizo com o chará ao ler este texto. Para mim, as críticas refletem minha raiva em relação às culturas de massa. Contudo, o que me revolta não reside na música em si, mas sim em seu trato. Incomoda a homogeneização em detrimento da diversificação. O único problema da cultura de massa é que ela afoga outras manifestações. Já estudei um pouco sobre o ritual das raves e casas noturnas e notei que a experiência subjetiva intensa acontece com qualquer tipo de música. O problema está, para mim, na falta de opção que os meios conferem. Mas isto tem se resolvido com a internet, pelo menos para a classe média e alta. Quanto ao pessoal que quer discernir o grau de complexidade da música baseando-se somente na dificuldade em aprender sua técnica de execução, sinto dizer que discordo profundamente. O grau de complexidade da música está no âmago de cada um. O resto é um sociologês do qual um dia me versei bem, mas quero abandonar.

Mas, amigo Dengoso - ou Danda para os internéticos- partilho de sua raiva, admitindo meus próprios preconceitos musicais raivosos e efusivos. Mas não argumentaria contra os músicos ou seus ouvintes, e sim contra os canalhas de fraque que ganham dinheiro limitando os horizontes artísticos das pessoas.

Esquadrão SS disse...

A questão da qualidade não é tão subjetiva assim. Obviamente, até pela conceituação que fiz sobre música, que há uma forte subjetividade no que se constitui como música. PORÉM, se música é como defino, algo feito para explorar sentimentos e representar idéias e passagens intangíveis de nossa experiência, é fato que a prática necessária para elaborar tal harmonia deve ser estudada e se munir de meios suficientes para que sua expressão seja digna. Em outras palavras, para que um músico seja capaz de vagar livremente pela sua própria subjetividade ele deve contar com um leque amplode técnicas que facilitem a ele conseguir representar essas idéias com fidelidade. O estudo musical, muito ao contrário do que alguns pensam, não serve para te engessar dentro de um padrão pronto de predução musical, muito pelo contrário, o estudo serve para te armar com mecanismos suficientes para que sua introspecção seja mais livre e consiga alcançar coisas antes inalcansáveis. E por estudo de música não refiro somente ao aluno preso dentro de uma sala de aula com uma professora de piano frígica e virgem de 87 anos com uma régua na mão. O estudo da música pode ser pelas mãos do próprio música, pois nada o impede de utilizar seu próprio ouvido como meio de estudo. Prestar atenção naquilo que se ouve e tentar quebrar isso em um processo de produção cultural pode te revelar passos preciosos de como é possível criar certos tipos de atmosferas e climas musicais que antes lhe pareciam um mistério.

Então acredito sim na qualidade técnica de uma música, e pode se dizer que uma é melhor que outra, mas sempre terá um quesito de subjetividade. Um Dream Theater é mais técnico que o Rush, mas prefiro Rush pelos quesitos subjetivos, até pelas letras que representam muito mais minha realidade. Porém, ambas as bandas se esforçam em torno de um mesmo objetivo, fazer música de verdade com as técnicas que os possibilitem de faze-lo de forma coerente e verdadeira.

Dengoso.

Celso F. Araujo disse...

Sábias e muito bem colocadas palavras, ó grande Danda!
Faço eco aos comentários dos demais uma vez que há 40 anos, desde os meus 13 aninhos, eu sofro procurando música de qualidade em terras tupiniquins, desde a época dos compactos simples até hoje em blu-ray.
Acho um absurdo a gente praticamente tropeçar em centenas de lojas físicas contra lançamentos do naipe de um "Calcinha Preta" e, ao mesmo tempo, ter que recorrer à importadoras para cds, dvds ou blu-rays de rock progressivo.
Preconceitos à parte, digo sempre que a cultura de um povo também pode ser medida pela qualidade da música que o mesmo aprecia!

Grandes e musicais abraços!

Esquadrão SS disse...

Obrigado pelas palavras, Hammil! Concordo plenamente com vc e guardo admiração por pessoas como vc, que estão nessa batalha há tempos, enquanto nós aqui do SS começamos essa epopéia não faz nem 4 anos. Devemos nos espelhar em pessoas como vc para não cansarmos dessa luta sem fim contra essa anti-cultura!

Grande abraçco

Danda (Dengoso, to confundindo minhas identidades, ahiauha)

Esquadrão SS disse...

Dengoso é uma viadagem sem fim! Puta merda!

Rodolfo (nome de macho!)

Danda disse...

Vou te matar, mlk!

Dengoso Assassino.

Gabriel Ferraz disse...

Olá pessoal. A definição de "música" é tão complexa que nem o Dicionário Grove Online de Música e Músicos - fonte fundamental para pesquisas musicais, onde as maiores autoridades sobre música escrevem - tem esse verbete! Eu diria que a discussão fica ainda mais complexa quando perguntamos "o que é música para cada um", e ainda mais quando perguntamos "o que é boa música para cada um".
A questão da beleza estética em arte, que teve seu marco inicial com a Crítica do Julgamento, de Immanuel Kant, em 1791, envolve conceitos muito complexos. Um dos conceitos que Kant cunha em seu ensaio é a ideia da apreciação artística "Interessada" e da "desinteressada". A "interessada" é aquela na qual o observador tem um "interesse" na obra de arte antes de conhecê-la, o que faz com que ele atribua valores à priori para a obra, e dessa forma, sua apreciação não será apenas da obra em si, mas dos significados que ele já havia previamente criado para ela. A apreciação "desinteressada" é aquela na qual o observador não tem nenhum "interesse" à priori no trabalho artístico, e o aprecia pelo que ele é, ou seja, pelos elementos que são intrínsecos ao trabalho artístico.
Kant advogava pela apreciação "desinteressada", e foi muito criticado (inclusive por Nietzsche), porque é praticamente impossível que a pessoa aprecie a arte sem ter nenhum "interesse". O observador teria que apagar todas as experiências de vida que ele teve, e apenas assim poderia apreciar a arte como um objeto autônomo (só o fato da pessoa saber que alguém produziu aquele objeto artístico já cria um "interesse").
Pois bem, meu ponto é que as pessoas constroem "interesses" para obras de arte (independentemente de qualidade dessa arte) principalmente em música, porque devido ao hábito de se ouvir a mesma música ao longo do tempo, as pessoas passam a atribuir valores semânticos muito pessoais para uma obra musical. Por essa razão, apesar dos elementos musicais serem os mesmos para todos que ouvem uma determinada obra, os significados construídos podem ser diferentes. Em semiótica músical, esse conceito se chama indexação. As pessoas indexam ideias pessoais (ou de grupo, se a música é experimentada em grupo ou direcionada a um grupo social ou étnico específico), à música, e essa por sua vez transforma-se em um índice de representação social e parte de narrativas pessoais. Por isso que muitas vezes ouvimos uma música e somos "levados" à momentos específicos de nossas vidas, e que são apenas nossos. A música nos "transporta" para esses momentos, pois nós agregamos valores pessoais a ele, e que não existiam no momento de sua composição.
Não me entendam mal. Eu sou pianista clássico e musicólogo, e acho que em termos de qualidade técnica e estrutural, muito da música popular que temos hoje em dia é realmente puro lixo massificador, com o qual as massas criam identificação imediata e logo saem cantando e buscando no rádio, na TV, no computador, etc.

Entretanto, quis apenas chamar à atenção elementos que são inerentes à linguagem musical, e que muitas vezes não fazem parte de escolhas conscientes das pessoas. A música tem propriedades comunicativas muito complexas, e a maioria das pessoas aje de acordo com o comportamento do grupo, que a música ajudou a modelar.
Caso alguém tenha interesse, eu tenho um site para que os músicos promovam sua profissão (pode-se montar perfis gratuitamente, dentre outras coisas), o www.zapmusico.com.br, e nesse site eu tenho um blog no qual posto textos constantemente. Dois desses textos tratam sobre a sociedade e o entendimento da profissão do músico. Se tiverem interesse, o link para a categoria onde estão estes posts é: http://www.zapmusico.com.br/blog/tag/profissao-musico/
Espero ter contribuído para a discussão.

Gabriel Ferraz, pianista e musicólogo
Idealizador do Zap Músico